Agricultores denunciam a contaminação de lavouras e áreas de moradia no semiárido baiano causada por pulverização de agrotóxicos com uso de drones. Levantamentos comunitários, registros fotográficos e relatos colhidos entre produtores e moradores dos municípios da região da Bacia do Jacuípe apontam para aplicações realizadas sem aviso prévio, em condições de vento e temperatura adversas, com prejuízos para áreas vizinhas — incluindo destruição de hortas familiares, plantações com objetivos comerciais, apiários e até de propriedades que investiam em certificação para produção orgânica.
“Recebemos relatos de pessoas com quadros de mal-estar, náuseas, dores de cabeça no município, sem falar nas perdas financeiras das colheitas poucos dias após aplicações desse veneno nas áreas vizinhas”, denuncia uma das lideranças que atua na defesa dos trabalhadores rurais da região que prefere não ser identificado, assim como as fontes entrevistadas in loco que relataram preocupação com a saúde e perdas significativas com o uso indiscriminado de agrotóxicos.
É o caso de produtores de hortaliças orgânicas. “Eu todo empenhado na conquista do selo orgânico, vi minha plantação ser afetada pelo uso de agrotóxicos com drone a aproximadamente quinhentos metros de distância das minhas terras. No dia seguinte, as hortaliças estavam murchas”, relata o agricultor que estima perda direta de R$ 8 mil. “Até o momento, o vizinho não se negou a cobrir os prejuízos, mas o sonho de conquistar o selo orgânico ficou enterrado. Como vou ter um selo de um produto que não é mais limpo?”, questiona.
Riscos à saude e ao ambiente
Pessoas idosas de outra região atingida convivem com o mesmo sentimento de revolta. A plantação que alimenta e ajuda no sustento da família secou no dia seguinte à aplicação de agrotóxicos por um vizinho latifundiário. “O drone chegou aqui bem perto. Passei mal com aquele bafo, um cheiro forte. Tive dor de cabeça o dia todo… Vi a hora do veneno me matar, só melhorei depois que tomei dois copos de leite”, conta mostrando as plantas amareladas, com frutos mirrados e outras que murcharam até morrer. “Esse mesmo vizinho já tinha aplicado com bomba nas costas, mas agora – com drone – foi muito pior. O vento espalhou o veneno, prejudicando nossa plantação por completo”. Há relatos indignados de quem teve que se contentar com o valor irrisório de R$ 200 como ressarcimento pelos danos. “Ele ainda queria pagar só R$150. Disse que, se eu não quisesse aceitar, fosse buscar meus direitos na Justiça”.
Na mesma região, outros dois produtores foram afetados a quilômetros de distância da área foco da aplicação por drone. Um dos produtores rurais perdeu a maior parte do que colheria na pequena horta de melancia, macaxeira e feijão de corda. “Não dá para viver só da aposentadoria. A gente planta para sobreviver. Meu prejuízo foi grande e eu nunca consegui falar com ele (o vizinho)”.
Outro produtor, que tem quatro tarefas de área plantada de melancia e com investimento em irrigação, estranhou o ruído no dia da aplicação, mas só entendeu que se tratava de drone espalhando agrotóxico quando viu a devastação no dia seguinte. “Molhamos, adubamos para ver se reagia e nada. Em poucos dias, perdemos a roça toda”, lamenta, lembrando que, em anos anteriores, já chegou a colher quatro caminhões de melancias, as mais selecionadas destinadas ao mercado de São Paulo. “Só nesta área afetada, se for calcular o investimento em irrigação, adubo, semente, mão de obra e o que deixamos de vendar, dá mais de R$ 6 mil. Nem chegamos a dar queixa porque quando a gente reclama, eles sempre alegam que baterem o produto nas terras deles e dentro das normas”.
Diante da falta de fiscalização e atuação dos órgãos competentes, o problema tem se agravado, mas não é novo na região. “Há mais de dois anos, tivemos noticias de um produtor da região e viu sua plantação morrer toda, de um dia para outro, após o uso do veneno. A tristeza foi tanta que teve um enfarto e morreu”, denuncia uma das lideranças da região da Bacia do Jacuípe. O questionamento que não quer calar é por que populações agrícolas nos países em desenvolvimento estão sendo expostas a quantidades crescentes de misturas de herbicidas em altas concentrações e frequência, incluindo pesticidas severamente restringidos e proibidos nos países europeus. “Se são servem para eles, porque o uso é permitido aqui?”, indaga.
Estudos sobre o impacto ambiental do uso indiscriminado destes compostos de herbicidas e a necessidade de fiscalização estão na pauta de reivindicação da comunidade. “O uso de pesticidas não pode ter carta branca no semiárido. Nós que tanto lutamos por água, estamos assistindo nossas nascentes e lagos artificiais serem contaminados. Como vamos poder dizer nossos produtos são orgânicos?”. Em defesa das regras de proteção à saúde, à água e à biodiversidade, o clamor local é pela atuação do Ministério Público, Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB/BA), Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA/BA), Vigilância Sanitária e outros órgãos agrários.
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Fonte: Boca de Zero Nove